Equador – De Tulcán a Mendez, na “fronteira” amazónica

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Idílio já está no Equador e agora tem a companhia temporária de outro português, o Luis Hilário. Pode seguir esta aventura em http://bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com/

Após a agitada manifestação do lado colombiano, a entrada no Equador foi tão pacífica e banal como comer uma sandes e beber uma cerveja em qualquer café. Havia um casal à minha frente e outro depois de mim, ninguém mais.

Não fazia ideia que a moeda em curso no Equador era o dólar. Como tinha umas sobras do Panamá, não tive de entrar no jogo do câmbio de moeda e avancei rapidamente para Tulcán, a primeira cidade deste lado da fronteira.

À entrada da cidade abateu-se uma monumental carga de água, mas como a barriga estava a dar horas e havia um tasco mesmo numa esquina, aproveitei para fugir à chuva e repor as energias. Pior foi a ementa, pois parece que era quarta-feira de cinzas e não serviam carne – nem peixe! A única opção era arroz com ovo estrelado e … uma salsicha – que não é carne nem peixe, já se vê!!
O almoço e a trovoada terminaram em simultâneo e lancei-me, apressado, a caminho de San Gabriel. Na verdade sentia demasiado justo o tempo para o percurso, tanto mais que a saída de Tulcán prolonga-se por uma longa, e nada fácil, subida. Mas se o mapa e as informações que me deram estiverem correctas, vencida a encosta, será sempre a descer até San Gabriel.
No topo da colina, acabada de transpor, abre-se um ondulante vale verdejante, que se estende por encostas suaves até desaparecer nos cumes agrestes das montanhas longínquas. Pequenas parcelas geométricas de terra negra, são profusamente cultivadas, essencialmente com batata, curiosamente em distintas fases do ciclo produtivo, dando uma enorme diversidade de tons, cores e texturas à paisagem.
Ao longo da descida para San Gabriel, tive poucos olhares para apreciar a paisagem, fosse pela descida constante e acentuada, a exigir concentração, pela chuva miúda toldando a visibilidade e pela pressa de chegar antes do anoitecer.

San Gabriel – monumento ao ciclismo

Deixei San Gabriel

Deixei San Gabriel com a luz fria da manhã mal nascida, pois queria garantir que chegava a Otavalo, onde o Luís Hilário me espera há uns dias. À saída do povoado, um estranho monumento metálico homenageia o ciclismo e os ciclistas, que parecem ter tradição no local. Na realidade, ontem surpreendi-me com a quantidade de ciclistas jovens, crianças mesmo, que pedalavam em sentido oposto ao meu, subindo com afinco a longa montanha, em direcção a Tulcán. Muitos iam acompanhados de bicicleta, ou mesmo de moto, por adultos, que presumo seriam treinadores…

Antes de iniciar a descida para El Juncal

A estrada continua com o mesmo perfil do fim do dia anterior, com longas e suaves descidas, contornando planaltos e encostas verdejantes, que se perdem nas nuvens esbranquiçadas. Mas nas imediações de El Juncal, a faixa negra do asfalto precipita-se num mergulho vertiginoso de curvas e contracurvas, só se detendo no fundo do vale, junto ao pequeno rio que atravessa El Juncal.

El Juncal

A paisagem muda brusca e drasticamente, com o vale a afunilar de encontro a ravinas áridas, de vegetação rasteira e descolorida. Curiosamente, os próprios habitantes são negros e muitas casas de adobe. Uns quilómetros adiante surge el Chota, com coloridos placards anunciando o carnaval e “reafirmando nuestra identidade coangue”. Os “bonecos” que ilustram o placard são igualmente negros, dissipando qualquer dúvida sobre as raízes africanas desta pequena comunidade.

A caminho de Ibarra

Luis Hilário como companhia de viagem

Ibarra surge no fim de um ziguezaguear, montanha arriba, sob o sol tórrido do meio-dia. Mas transposta a cidade, Otavalo fica à distância de um sprint de 25 quilómetros. Encontrar o hotel El Rincon de Belén foi fácil, pois a vila é pequena. Deveriam ser umas 4 horas da tarde e o Luís repousava na penumbra do pequeno quarto.
Conheci o Luís Hilário em 2000, na Travessia a Portugal em BTT, organizada pela Ciclonatur – um passeio fantástico com partida de Rio de Onor, no coração do Parque Natural de Montezinho, junto à fronteira com Espanha, percorrendo todo o interior de Portugal, pelos caminhos mais remotos, os povoados mais esquecidos, as gentes mais humildes, as paisagens mais selvagens que se podem ainda encontrar num Portugal desconhecido e esquecido, até desaguar em Sagres, numa tarde soalheira de Junho. Para mim, o Hilário era aquele miúdo (de 26 anos) que, no fim de uma subida de Barca-d’Alva para Castelo Rodrigo, se senta num tufo de erva fresca, saca da mini escova de dentes e respectiva pasta, e põe-se a escovar os dentes, a meio da tarde, no pico do sol de Junho, na passagem de um vinhedo para as encostas de centeio e oliveiras…
Uns anos depois, “cruzámo-nos” na “estrela da estrela”, em nova aventura ciclística de um dia, num desafio impar – Covilhã-Torre-Manteigas-Torre-Seia-Torre-Covilha.
Apesar de já lá ir uma década, o tempo parece não ter passado por este rapaz de 36 anos, esguio, franzino, magro – o perfil típico do homem das bicicletas.
Na verdade, na Travessia o Luís andava sempre (ou quase) com os “Javalis” – o grupo rápido – e eu só por uma vez tive a veleidade de os acompanhar. O ritmo deles não se compadecia com o meu gosto pelas fotografias, pela paisagem, pela brincadeira, pela “preguiça”…
Foi por mera coincidência que eu e o Luís nos cruzámos na “linha do Equador”. Eu planeei a minha viagem sem saber dele e com ele aconteceu o mesmo. Mas um amigo comum, também com raízes na Travessia, fez a “ponte” e, já eu pedalava há umas boas semanas, quando recebi uma mensagem do Luís dando conta do seu projecto – de Quito a San Carlos de Bariloche, na Argentina. Apesar dele ser “javali” e eu mais tartaruga, claro que teria a sua piada fazer as coincidências acontecerem e pedalar uma temporada em conjunto. Inicialmente pareceu-me impossível os “nossos tempos” cruzarem-se: ele iria comprar a passagem para aterrar em Quito a 20 de Fevereiro e eu, ainda a pedalar nus EUA, não fazia ideia de quando chegaria a “mitad del Mundo”. Enfim, fomos mantendo o contacto, enquanto eu deslizava para sul, e no Panamá percebi que talvez fosse mesmo possível: duas ou três semanas de atraso pareciam possíveis de acomodar pelo Luís.
Pedalei um pouco mais rápido do que queria na Colômbia e nos últimos dias no Panamá; o Luís deu uma “volta de adaptação” pelo Equador, subindo até Otavalo e, no dia 10 de Março, foi com alegria que nos abraçamos no Rincon de Belén.

Cores de Otavalo

Otavalo e o seu artesanato

Otavalo e a zona circundante, é conhecida turisticamente pelo artesanato, acolhendo uma das maiores – se não a maior – feira do género da América Latina. O colorido dos tecidos, colares, pulseiras, instrumentos musicais, quadros, chapéus e toda a diversidade de vestuário que apinha o mercado e as ruas envolventes, mistura-se com as cores e adores dos frutos, vegetais, legumes e tudo o mais de que se enche a pequena vila. Homens, mulheres e crianças vestem trajes típicos, vistosos e coloridos, de bordados garridos e colares dourados, com o inseparável chapéu andino na cabeça. Claro que não conheço os detalhes das indumentárias, mas sei que apresentam características distintas para diferentes “etnias”, estado civil e até estrato social…

Depois de um dia de repouso, para me recompor do esforço dos últimos tempos na Colômbia, deixámos Otavalo por uma estrada “aventureira” – rumávamos a San António e ao monumento simbólico da “Mitad del Mundo”, mas por um percurso secundário. Foi o primeiro dia a pedalar com o Luís e se as paisagens não desiludiram – como nunca desiludem neste país de vulcões, vales e montanhas verdejantes, que prendem o olhar e paralisam a respiração – o percurso teve fases de dureza extrema.

De Otavalo a Mitad del Mundo, por caminhos um pouco mais agrestes

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