11ª etapa. Melide/Santiago, 55.57 Kms
Finalmente, o dia tão esperado, o da chegada a Santiago. Depois do pequeno-almoço em Melide, os habituais exercícios de aquecimento antes da partida.
Texto e Fotografia: António José Soares
Os primeiros kms são sempre os mais difíceis, pelo menos enquanto o físico ainda está a em fase de adaptação às exigências do caminho.
A saída de Melide foi excitante, com um misto de nervosismo e impaciência à mistura, estávamos a poucas horas de alcançar o objectivo
A etapa correu de forma esplendorosa. Na véspera todos alardeamos boa disposição, apesar do cansaço. No local da janta, quase só ouvíamos uma única frase: mañana…Santiago.
Durante a manhã esta saudação foi repetida vezes sem conta, na passagem por cada peregrino.
Foi, indubitavelmente, uma verdadeira jornada de alegria: bom caminho, buen camino, as saudações aos demais peregrinos jorravam em catadupa.
O segundo pequeno almoço aconteceu numa pequena aldeia galega, pela módica quantia de 3 €, mas que valeram bem a pena gastar, uma vez que o repasto valeu pela qualidade e quantidade.
Neste ponto de paragem, a conversa com um simpático brasileiro septuagenário, peregrino dos últimos e tradicionais 100 kms na Galiza. É sempre bom ouvir falar português e, claro que nunca perco a oportunidade para ser um bom embaixador de Portugal.
O caminhante procurava obter a credencial de peregrino, uma vez que só é passada a Compostelana a todos quanto percorram, no mínimo 100 kms a pé ou 200 a cavalo ou de bicicleta. Neste último troço encontrámos um grupo de coreanas a fazer o caminho, com carro de apoio, assim é bem mais fácil, mas perde o sentido.
Nesta última etapa uns catalães que faziam o Caminho da Prata, desde Sevilha, acabaram por se agrupar connosco, após uma paragem para reabastecimento das gargantas sedentas. Eram simpáticos e conversadores.
Deste ponto até Santiago pedalámos sempre juntos, mas esta malta mais parecia que tinha um motor auxiliar nas pernas, a pedalada deles era fortíssima.
A chegada ao Monte do Gozo foi quase triunfal, foi preciso subir e subir para chegar à meta dos últimos 5 kms. Aqui, fomos muito acarinhados e incentivados por muitos viajantes/peregrinos, foi bonito.
Muito divertido foi escutar uma troca de palavras entre uma senhora espanhola, muito bem disposta, convidando Vítor, Sergio ou Camilo, para que um deles aceitasse namorar com a filha. “O para mi”… dizia. Danada de brincalhona. Ainda perguntei se eu não servia, mas ela respondeu que carne rija já tinha em casa.
Finalmente Santiaaaagoooo…
O desafio que me propus ultrapassar, foi conseguido de forma estupenda. Tratou-se de uma vitória maravilhosa, linda.
Para trás ficavam 840 kms de paisagens deslumbrantes, cidades monumentais, boa comida, convívio quase fraterno, novas amizades, desde o septuagenário francês, em Roncesvalles, lutando para vencer o cancro, ao Marco, às bonitas Gabriela, da Republica Checa e a italiana Isabela em Logrono. O casal de franceses que conheci em Belorado, o grupo de ciclistas italianos com quem nos cruzámos e convivemos em grande parte do caminho, os suíços mais sisudos, mas que simpaticamente no Alto do Cebreiro, nos convidavam de boa vontade a ficar, para beber umas cervejas. E, muitos mais…
A chegada a Santiago foi acompanhada de um desejo… voltar novamente ao início. Bem que continuaria para Finisterra, mas já não dispunha de mais dias livres, infelizmente.
Digeridas as primeiras sensações da chegada, foi tempo de escolher um local de repasto, o Camilo não parava de falar no pulpo à galega. A refeição foi exageradamente servida de polvo, costeletas e cerveja. Trinta euros, que dariam normalmente para três refeições, esgotaram-se em apenas uma. Já na véspera, em Melide, tinham sido queimados 25 euros.
Não é por demais enfatizar os instantes da chegada à Praça Obradoiro
Foi, na realidade uma experiência única e incrível. Sem dúvida um sentimento colectivo de triunfo e satisfação mas, também, de reconhecimento àqueles que tornaram isto possível. Aqui abro um espaço de reconhecimento para a minha família e amigos que me ajudaram e incentivaram a fazer o Caminho Francês de Santiago, aos quais muito agradeço.
Por tudo o que foi vivido e a sensação de ter alcançado algo mais do que o terminar de um longo passeio, todos ficámos a conhecer muito mais, e, sobretudo, sentimos o prazer de ter partilhado vivências extraordinárias entre todos. Finalizamos o Caminho Francês com a bonita impressão de ter convivido com todas as pessoas que fizeram o caminho, a pé ou de bicicleta, mesmo com aqueles com quem não contactámos.
Foi, sem qualquer sombra de dúvida, uma experiência fantástica, convido-vos a fazer o mesmo, seja a pé, bicicleta ou a cavalo.
Conclusões
No total percorri 842,21 Kms em onze dias, coisa impensável há uns dias atrás, uma vez que não efectuei antecipadamente qualquer preparação especial.
Talvez tivesse ajudado de ter começado a ir para o serviço de bicicleta, no mês de Julho, longe de pensar, ainda em fazer o caminho. Um percurso diário que no entanto não oferece qualquer grau dificuldade, são apenas oito kms, planos, que se fazem bem em jeito de passeio, sendo apenas necessários cerca de 25 minutos para o percorrer.
A maior dificuldade residiu, sem dúvida, nos joelhos que todas as noites se lamentavam. Las rodillas já não perdoam a um sujeito de 45 anos, que se mete nestas andanças.
Também a coluna necessitou, sempre atenção especial. Mas espero, sem dúvida, continuar a repetir proeza, assim o físico permita.
Foi experiência recompensadora. Durante onze dias não pensei no trabalho, na faculdade, em quase nada do quotidiano, excepto como é óbvio, em todos os que me são caros.
Não podemos prever o futuro, mas a vontade em repetir uma empresa como esta é muito forte, quem sabe o Caminho do Norte? Mas existem também outras alternativas, menos cansativas e, sem dúvida, também deslumbrantes.
Achei importante relatar a minha viagem, vejo-o como uma forma de partilhar coisas boas, experiências vividas no convívio com pessoas de todo o mundo, o desfrutar de paisagens magníficas, a grata satisfação de visitar lugares que, no seu conjunto, constituem o património material e imaterial deste Caminho, considerado Património da Humanidade.
Foi, também, uma viagem na história, no seu conceito mais amplo ou mais específico da história religiosa, da história da arte, no fundo tratou-se duma viagem na cultura.
Cada um, à sua maneira, pode fazer o seu “caminho”, é uma experiência fantástica, vale bem a pena, convido-os a fazê-lo, tanto não se arrependerão, como, por certo, ganharão vontade de repeti-lo.
Uma palavra para os meus colegas de viagem, pela ordem a que nos fomos conhecendo: Fulvio, milanês de 55 anos, até parecia que tínhamos combinado a viagem juntos, tal a forma como nos entendemos.
Para finalizar, apenas uma referência aos números desta décima primeira e último trajecto, de Melide a Santiago de Compostela. Percorri os 55,57 Kms, a uma velocidade média de 12,83 Km/H, cheguei atingir a velocidade de 45,90 Km/H, tendo sido necessárias 04:19:49 H para percorrer a distância, bem mais pequena que de Roncevalles a Santiago – 842,21 Kms.
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