Por terras de Torres Vedras fomos descobrir dois ícones da região, o Castro do Zambujal e o Convento do Varatojo.
Texto: Graça Imaginário
Fotografia: Vasco de Melo Gonçalves
Ficha do percurso
Percurso: PR4 TRV Rota do Castro do Zambujal
Tipo: Circular
Distância: 12,3 km
Grau de dificuldade: Fácil
Sinalizado: Sim
Descarregar ficheiro GPX: http://ridewithgps.com/routes/6859769
Começámos o percurso no Parque da Várzea, em Torres Vedras, seguindo por veredas na direção do Barro. A pouco e pouco, o bulício da zona comercial vai dando lugar ao sossego da paisagem agrícola, pautada por vinhas, pequenos pinhais e hortas. No trajeto até ao topo da colina, passamos por uma ermida e pelo edifício do antigo sanatório do Barro, locais aparentemente ao abandono, quiçá por falta de devotos e tuberculosos.
O caminho segue por zonas residenciais e terrenos cultivados, locais onde o tempo parece escoar-se mais lento, ao ritmo dos idosos que se movem devagar, para cuidarem dos quintais, acompanhados pelos seus canitos, que à nossa passagem ladram mas não mordem…
Depois de uns 6,5 km de caminhada, estrategicamente implantada num planalto, encontra-se uma estrutura fortificada denominada Castro do Zambujal, cujas origens remontam ao Terceiro milénio a.C., no início da Idade do Cobre na Europa Ocidental.
O conjunto dos vestígios reveste particular interesse para o conhecimento do Calcolítico na Península Ibérica. O estado de conservação do reduto permite visualizar o tipo representativo das primeiras arquiteturas de construção defensiva, em altura. Foram identificadas várias fases de edificação de um sistema estruturado em quatro linhas de muralha. Consegue-se distinguir uma fortificação central com torres, muros, pátios, passagens e pequenas entradas.
A paisagem é desafogada, o silêncio impera, apenas entrecortado pelo silvo das aves de rapina e o ruído do vento a rasar a vegetação. De lastimar a construção de uns casebres adjacentes ao Castro, alguns deles aproveitando a própria pedra original, que desvirtuam o património arquitetónico.
No sopé da colina, onde se ergue a fortificação, corre a Ribeira de Pedrulhos, um afluente do rio Sizandro. Crê-se que este rio era navegável e que uma bacia marítima chegava até à confluência com o referido curso de água, formando um porto. Os achados arqueológicos no Castro do Zambujal apontam para aqui ter existido um importante centro de fundição e comércio de minério.
A povoação foi identificada pelo investigador torriense Leonel Trindade em 1932 e as primeiras escavações decorreram entre 1944 e 1959. A partir da década de 60, a pesquisa do sítio assumiu importância internacional com a implementação de um projeto em parceria com o Instituto Arqueológico Alemão.
Rumo ao Varatojo
O passeio segue agora em declive, entre vinhas, eucaliptal e pinhais, na direção da localidade de Varatojo. Após uns 3 km, chegamos à aldeia cujo largo principal é dominado pelo mosteiro franciscano. O terreiro tem carvalhos que oferecem uma sombra generosa, mesas de picnic e um chafariz (de água de qualidade não controlada….) que refresca mesmo só com o som da bica a correr.
O Convento de Varatojo foi mandado construir em 1470 pelo rei D. Afonso V, de cognome “O Africano”, em cumprimento do voto que o monarca fizera a Santo António e São Francisco de Assis, se as campanhas no Norte de África tivessem êxito.
O convento foi entregue à Ordem dos Frades Menores ou franciscanos em 1474, mas a permanência desta congregação no mosteiro até à atualidade foi intermitente, pautada por períodos de oposição anticlerical. Foi o caso da decisão de D. Pedro IV, em 1834, que decretou a extinção das ordens religiosas masculinas e a espoliação de todos os seus bens. Voltou à posse dos franciscanos em 1861, que o voltaram a perder na época republicana, entre 1910 e 1928, após nova expropriação.
Em termos arquitetónicos, desde a sua fundação no séc. XV, o espaço conventual foi sendo transformado e acrescentado. As primeiras obras de vulto ocorreram em 1531, após um terramoto, patrocinadas por D. João III e sua mulher, a Rainha D. Catarina da Áustria. Novas ampliações verificaram-se nos séculos XVII, XVIII e no século XX.
Da traça primitiva, o mosteiro conserva a fachada e a porta. Um dos pormenores, que capta desde logo a atenção, é a pequena janela gótica cortada na esquina do edifício, muito curiosa. Seria de onde o Rei fundador distribuída esmola aos pobres. De realçar também o surpreendente teto da portaria com decoração mourisca. A arte “mudéjar” é um estilo artístico que se desenvolveu entre os séculos XII e XVI nos reinos cristãos da península Ibérica. É um fenómeno exclusivamente ibérico que combina e reinterpreta estilos artísticos cristãos (românico, gótico e renascentista) com a arte islâmica.
A Igreja do Convento estende-se numa só nave, com paredes revestidas por azulejos do século XVIII e vários nichos para confessionários. A decoração barroca está patente no retábulo principal, em talha dourada, na ampla tela com pintura de Santo António e Nossa Senhora, vários mosaicos e nos pormenores multicolores em mármore embutido.
A beleza do Claustro, de 2 pisos, deriva da sua simplicidade. O forro do andar térreo é revestido a madeira pintada, com a figura do rodízio de tirar água, emblema do escudo de D. Afonso V. Um pórtico de arco manuelino e a Sala do Capítulo revestida com azulejos do século XVIII são motivos de interesse. Mas um dos maiores atrativos do Claustro é de origem vegetal: uma imponente glicínia, cujo tronco centenário irrompe do lajedo e estende os seus grossos braços num gigantesco abraço às colunas. Não parece haver melhor imagem para representar o entrançado da corda franciscana, em redor de grande parte do Claustro.
Implantando numa encosta, o Convento de Varatojo é merecedor de visita, não apenas pelo interesse que desperta o património arquitetónico e histórico, mas também pelo seu valor botânico, oriundo da mata que o circunda. O mosteiro alberga uma comunidade franciscana que produz e vende plantas e remédios naturais.
No regresso, o percurso atravessa uma zona de povoamento menos disperso e um menor aproveitamento agrícola, cedendo à pressão urbanística. De lastimar a escolha do estilo de ordenamento territorial que permitiu ‘manchas agressivas’ na paisagem ao redor de Torres Vedras. No entanto, tal não é motivo desencorajador do interesse deste circuito pedestre.
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