Diclofenac para uso pecuário está a aguardar autorização pelo Governo Português e se for aprovado pode colocar em risco as populações de aves necrófagas ameaçadas em Portugal
A Assembleia da República aprovou no final da semana passada o Projeto de Resolução 1433/XIII (1) que recomenda ao Governo Português que não autorize a comercialização de medicamentos veterinários com diclofenac. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) tem atualmente um pedido de autorização de comercialização de um medicamento veterinário para uso pecuário contendo a substância ativa diclofenac. Esta substância, usada como anti-inflamatório no gado, foi responsável pelo dramático e abrupto declínio dos abutres do sub-continente Indiano, que quase os levou à extinção.
Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) nacionais e internacionais alertam as autoridades competentes desde 2016 para os possíveis impactos deste medicamento sobre as aves necrófagas, tendo apelado ao Governo Português para que não autorize a utilização desta substância em território nacional ao nível da veterinária.
As ONGA envolvidas consideram que a utilização do melhor conhecimento científico existente e o respeito pelo princípio da precaução impõe que o Governo Português siga a decisão da Assembleia da República e não autorize o diclofenac para uso pecuário, evitando o consumar de um risco real, iminente e crítico para a conservação das aves necrófagas em Portugal.
De acordo com a ampla informação científica existente e como referem os alertas anteriormente feitos por diversas organizações nacionais e internacionais, o diclofenac, um anti-inflamatório não esteroide, provoca insuficiência renal aguda nos abutres e também em águias do género Aquila, que culmina na sua morte num curto espaço de tempo. Estas aves morrem de colapso renal até dois dias após a ingestão de tecidos de animais tratados com diclofenac. Na Índia, bastou que menos de 1% das carcaças disponíveis para os abutres tivessem sido tratadas com diclofenac para causar a redução das suas populações em mais de 97%, o que levou a que este fármaco tenha sido banido no subcontinente indiano.
De salientar, por outro lado, a existência em Portugal de várias alternativas a este fármaco, e com muito menor impacto, pelo que o tratamento de espécies pecuárias é atualmente perfeitamente possível sem recorrer ao uso do diclofenac e de uma forma segura para as aves necrófagas.
Portugal possui importantes populações de abutres e de grandes águias com hábitos necrófagos e com estatuto de ameaça elevado: o abutre-preto (Aegypius monachus), o britango (Neophron percnopterus), o grifo (Gyps fulvus), a águia-imperial (Aquila adalberti) e a águia-real (Aquila chrysaetos), a maioria delas com efetivos muito reduzidos. Todas estas espécies estão legalmente protegidas em Portugal no âmbito da Diretiva Aves da União Europeia. Tendo em conta os impactos provados do diclofenac nestas espécies, os seus hábitos alimentares e as suas reduzidas populações, a autorização e utilização do diclofenac em Portugal terá um impacto potencialmente devastador nestas aves e também nos ecossistemas onde ocorrem, em consequência do papel ecológico fundamental que possuem.
A autorização do diclofenac em Portugal para uso pecuário poderá colocar em causa de forma irremediável o compromisso e esforço nacionais de conservação das aves necrófagas, desperdiçando uma oportunidade do Estado Português reiterar o seu empenho relativamente aos objetivos de conservação da natureza e sustentabilidade ambiental a nível nacional e da União Europeia.
Recorde-se que a Convenção Sobre a Conservação de Espécies Migradoras da Fauna Selvagem (CMS ou Convenção de Bona), adotou uma resolução na Conferência das Partes em 2014 (Resolução 11.15 da COP11 da CMS), com o voto favorável de Portugal, que inclui a recomendação legislativa de “proibir o uso do diclofenac veterinário para o tratamento pecuário e substitui-lo por alternativas seguras e já disponíveis, tais como o meloxicam”.
A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) aprovou também (2) uma moção no âmbito do Congresso Mundial de Conservação realizado em setembro de 2016, em que “Apela aos Governos que implementem urgentemente as recomendações da resolução 11.15 da CMS”, incluindo a referente à proibição do uso do diclofenac veterinário.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), parceiro nos vários projetos de conservação de aves necrófagas em Portugal, reconheceu já a sua preocupação face à potencial utilização do diclofenac ao nível da pecuária, assim como os riscos que daí advêm para a conservação das populações nacionais de aves necrófagas. A preocupação de todas as organizações envolvidas na preservação destas espécies está evidente na proposta de Plano Nacional para a Conservação das Aves Necrófagas em Portugal, que aguarda aprovação final e implementação.
As organizações subscritoras ficam na expetativa de que o Governo Português, nomeadamente a DGAV, que é tutelada pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, cumpra a decisão da Assembleia da República, através do indeferimento de qualquer pedido de autorização de comercialização de medicamentos veterinários contendo a substância ativa diclofena. Fonte: SPEA