Se não fizermos mais para proteger as zonas húmidas, não sobreviveremos às alterações climáticas. É esta a mensagem do Diretor Executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Domingos Leitão, por ocasião do Dia Mundial das Zonas Húmidas, que se comemorou no dia 2 de fevereiro.
Sem zonas húmidas, teremos mais inundações
Perante os invernos cada vez mais caracterizados por tempestades e chuvas torrenciais, é imperativo proteger e restaurar os rios e as suas margens, bem como as zonas húmidas de altitude como as turfeiras, que conferem proteção contra inundações e enxurradas. Exemplo disso são as turfeiras do Planalto dos Graminhais, em São Miguel (Açores). Em lugar de ser transformada em mais uma pastagem, graças ao trabalho da SPEA esta área foi restaurada para poder cumprir um papel fundamental. Esta vasta área no topo da montanha atua como uma esponja natural. No inverno, quando caem as chuvas torrenciais, as turfeiras captam e armazenam milhares de litros de água, evitando que ela corra monte abaixo de enxurrada e cause derrocadas e inundações. Ao invés, essa água vai-se infiltrando no solo devagarinho, chegando aos lençóis de água e permitindo que as ribeiras tenham sempre água no verão.
Sem zonas húmidas, não conseguiremos resistir à subida do nível do mar
Também os estuários e lagoas costeiras têm um papel fundamental como barreira contra inundações, e são cruciais para resistirmos à subida do nível da água do mar. Destruir estes sistemas naturais de regulação da água é duplamente prejudicial se for para os substituir por construções de betão que impermeabilizam o solo, impedindo-o de absorver a água.
“Em Portugal, muitas das zonas húmidas são, supostamente, protegidas por lei. Mas continuam a surgir projetos turísticos e urbanísticos que ameaçam os habitats importantes dos estuários do Tejo e do Sado (Alcochete, Tróia e Comporta-Galé), e até no Algarve (Lagoa dos Salgados, Ria do Alvor, Alagoas Brancas). Temos de fazer mais para proteger a integridade destas zonas húmidas, que são a nossa proteção contra a subida do mar” diz Domingos Leitão.
E é preciso ir além de impedir a destruição, afirma o conservacionista, frisando a importância e restaurar zonas degradadas: “O restauro da vegetação e do ecossistema dunar das Ilhas Barreira, que estamos a fazer no projeto LIFE Ilhas Barreira, é crucial para a sobrevivência não só da área protegida da Ria Formosa, mas também do modo de vida de milhares de pessoas daquela região do Algarve.”
Sem zonas húmidas, milhões de pessoas ficarão sem sustento
Rios, estuários e lagunas costeiras são verdadeiras maternidades para muitos dos peixes, bivalves e crustáceos que são o sustento de milhões de pessoas no mundo inteiro – e um recurso extremamente importante no nosso país.
Não podemos criar mais necessidades de água
Outro recurso cada vez mais escasso em Portugal e no Mundo e diretamente ligado à proteção das zonas húmidas, é a própria água.
“Projetos que aumentem significativamente o consumo de água são projetos que não podem avançar nos dias de hoje”, diz Domingos Leitão. “Se desviarmos a água para mega-empreendimentos agrícolas, quando a água é cada vez mais escassa, onde iremos buscar água para beber num futuro próximo?”
É profundamente irresponsável contemplar projetos como plantações intensivas de abacate ou mirtilo, que requerem milhões de litros e água por ano, no sul de Portugal, onde já se enfrentam problemas de escassez de água, afirma. Daí que a SPEA e outras organizações de defesa do ambiente se oponham a projetos como o das Herdades da Murta e Monte Novo, que esteve recentemente em consulta pública e prevê a criação de 34 novas captações de água no subsolo, ou a proposta mega-barragem do Pisão, cujo intuito é criar 50 mil hectares de regadio. “Não se pode criar uma necessidade de água daquela maneira, quando sabemos que estamos num cenário de alterações climáticas em que a água é um bem cada vez mais escasso. Aprovar projetos destes significa destruir zonas húmidas, como os rios e pauis, e criar um conflito entre a utilização de água para a agricultura e a utilização de água para consumo humano, que nunca vai acabar bem”, reitera Domingos Leitão.
Ainda há salvação
“Para sobreviver, temos de diminuir a pressão sobre estes ecossistemas cruciais. Está nas mãos de todo nós, desde as nossas escolhas como consumidores até à participação ativa enquanto cidadãos, quer a título individual quer associando-nos ou apoiando associações de defesa do ambiente” conclui Domingos Leitão.