Durante três dias, na Primavera de 2021 e, a convite da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela tivemos uma experiência imersiva por alguns do locais icónicos deste belíssimo território, nomeadamente dos concelhos de Manteigas, Belmonte, Sabugal, Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo.
Pretende-se que os destinos deixem de ser sazonais, todas as alturas do ano têm encantos e a Primavera e o Outono são sem dúvida épocas de grande beleza por estas paragens. Circulámos entre localidades por estradas secundárias o que permitiu observar a beleza desta Primavera com os campos cheios de vegetação dourada que contrasta com o granito das pedras um pouco por todo o lado. E se apanhar a luz do fim da tarde a beleza da paisagem não se pode descrever, tem que ir e estar.
Degustar os sabores da região, os queijos e os vinhos de eleição passando por praias fluviais e finalizando com um passeio de barco no Douro junto à fronteira…tanto para contar.
Mas afinal ficou tanto para ver, há que voltar sempre e demorar-se.
Texto: Luísa Dias Mendes Fotografia: Vasco de Melo Gonçalves
Mas vamos por partes porque no primeiro dia fomos conhecer João Clara, o Senhor Burel dono da fábrica Ecolã.
Para mim foi uma surpresa. Há alguns anos atrás tive a oferta duma capa de burel adquirida em Lisboa na Loja Ecolã no Edifício Embaixada ao Príncipe Real e este ano estou a visitar o espaço onde foi fabricada e a saber tudo sobre este negócio familiar, que vai já na 4ª geração.
A Ecolã foi a primeira Unidade Produtiva Artesanal, a mais antiga de Portugal de origem familiar. A aventura começou em 1925, pelo que estão quase aí os 100 anos. Ainda hoje são produtores verticais sem intermediários, diretamente da fábrica ao cliente e, quem diria, são procurados por clientes de alto gabarito, das redes de hotéis sobretudo para as mantas, aos designers de interiores e aos designers de moda por exemplo ligados à indústria do calçado…
Segundo João Clara: “… temos que agradecer aos pastores e ás ordens religiosas que nunca deixaram de trabalhar o burel, material atualmente tão apreciado pela resistência, impermeabilidade e propriedades térmicas.”
Com sede em Manteigas, a Ecolã dedica-se ao fabrico do burel e mantas sendo a matéria prima toda recolhida na região. Interessante e único porque abarcam todo o ciclo do fabrico, desde a tosquia da lã ao produto final. Quando percorremos a fábrica estamos a fazer literalmente uma viagem no tempo. Espaço quase museológico com máquinas da 1ª à 4ª geração. Primeiro em madeira, depois a madeira e ferro e depois em ferro, numa primeira fase produção manual e depois mecanizada.
Mas começa tudo na tosquia e 90% da lã usada provém da raça autóctone Bordaleira Serra da Estrela. A tosquia é em si mesmo um ato de higiene veterinário porque o próprio animal fica mais leve e ágil e a produção de leite mais abundante. Cada animal dá cerca de 6kg de lã que depois de limpa reduz a aproximadamente metade.
“Trabalhamos com pastores que fidelizámos ao longo dos anos e existem alguns novos que já lidam com os rebanhos de forma mais avançada e usando tecnologias recente como os chips, e outros procedimentos exigidos actualemnte. Para já a lã está a assegurada vamos ver como se passa no futuro mas acreditamos que possa existir alguma renovação geracional. Todo este processo é devidamente certificado e não pode deixar de o ser. Os mercados internacionais onde operamos, conhecem de perto os nossos modos de fabrico, assim o exigem.”
Sobretudo a partir de 1995, ano decisivo, em que João Clara por circunstâncias familiares (morte do pai) inesperadas tomou conta da fábrica e abriu a porta para a exportação.
“Na altura fui apanhado desprevenido não vivia em Manteigas e a minha vida era outra. Um dos momentos que definiram a minha opção foi receber um telefonema de Helena Cardoso, que foi pioneira do projeto Capuchinhas, a perguntar: E agora quem me vai fornecer o burel?
Nas viagens que fiz à Dinamarca e Noruega tive também a perfeita noção que esta era uma “arte” a que tinha que dar continuidade.”
Promover junto dos clientes visitas à fábrica tem sido o modus operandi ao longo dos anos e quando existe uma história por detrás, o produto ganha uma dimensão maior.
João Clara é uma pessoa atenta aos pormenores, “Nos mercados internacionais o valor da lã tem estatuto de luxo, os países Nórdicos, o Japão e a Alemanha são os principais mercados para este tipo de produto”.
“Estamos também atentos a tudo o que sai na imprensa sobre os nossos produtos dado que tem imenso impacto, por exemplo Amal Clooney recebe um artigo nosso através dum cliente, isso aparece na imprensa e tem logo efeito”.
“Outra situação que promovemos é que somos uma porta aberta, as visitas podem ser feitas sem marcação durante a semana. Dotámos a empresa de pessoas que sabem falar outras línguas para assim contarem a nossa história e a história da qualidade dos nossos produtos.
A nossa equipa de 22 pessoas tem competências várias , desde o comercial aqui na pessoa de António Fonseca Costa há 21 anos connosco, até às costureiras, todos têm um papel muito importante que faz da Ecolã o que é hoje.
As feiras que fizemos ao longo dos vários anos também permitiram sermos reconhecidos pela qualidade dos nosso produtos.”
Mas passemos ao ciclo da Lã
Quando apuramos a lã possível de trabalhar temos as cores branco, castanho e bege.
A fiação pode ser feita através de uma roca manual ou eléctrica. Permite a transformação da lã em fio, torcendo as fibras da lã para obter um fio com a espessura desejada. A tecelagem é a criação de tecidos feita através do entrelaçamento de fios de trama com fios de teia.
Os fios são colocados na urdideira ficando na vertical e depois passam para o tear onde se encontram os fios na horizontal e é aqui onde se faz a trama.
João Clara valoriza o seu património de máquinas e, algumas delas, são autênticas relíquias (3 teares de origem italiana datados de 1960 e estão todo o ano a fazer burel. Máquina de bobinagem dos anos 40).
Durante a nossa visita vai-nos chamando à atenção, “A máquina que aqui vemos é de 1970. Para garantir que as máquinas se mantêm ativas e tendo em conta que já não se fabricam temos uma pessoa responsável pela manutenção e que fabrica as peças que se vão desgastando à medida das necessidades.”
Perguntámos quanto às novas gerações para trabalharem nestas máquinas como se renovam?
“Tivemos aqui programas do Instituto de Emprego e na realidade dos vários formandos que por aqui passam existem sempre alguns que ficam e que ganham gosto por isto, isso também é gratificante para nós podermos dar a devida continuidade.”
Ao longo da nossa visita podemos observar a técnica de feitura dos desenhos a partir do papel perfurado que foi inicialmente fomentada por Jacquard no início do séc XIX.
“As mantas pied de poule por exemplo foram uma encomenda importante para o mercado japonês e em que trabalhámos ao longo de 3 meses.”
Os produtos são na totalidade fabricados na Ecolã e não passam apenas pelas mantas e confeção de roupa mas também mochilas, chinelos carteiras chapéus e agora numa fase mais recente a utilização do burel para a decoração de interiores, estofos, revestimento de parede por exemplo em auditórios para isolamento térmico e acústico, tapetes e outros acessórios de decoração que tivemos oportunidade de observar no Hotel da Fábrica, em Manteigas, onde ficamos na primeira noite da nossa visita.
“Está também subjacente a todo o conceito da empresa a questão do aproveitamento da matéria prima e da criação de postos de trabalho, a função Eco e Social, temos aqui uma grande equipa a quem nunca digo que não e que correspondem todos os dias.”
Para saber mais sobre a Ecolã